Apesar de já contabilizar, pelo menos, uns bons 15 anos, a revolução causada pelas redes sociais é algo muito recente na história da humanidade. E ainda mais jovem é o crescente fenômeno das fake news. Perigoso desdobramento do pacote trazido pelas novas mídias, elas se tornaram rapidamente uma poderosa e inescrupulosa arma de manipulação, com capacidade de causar estragos nos mais diversos setores da sociedade. Para falar sobre essa ameaça e a importância do Brand Publishing como mecanismo de defesa para as marcas, conversamos com a escritora e pesquisadora Pollyana Ferrari, uma das maiores especialistas do assunto no Brasil.
Para a pesquisadora, de um modo geral, o principal antídoto contra as fake news é a checagem de informações. No caso das marcas, isso passa pelo constante monitoramento. E pelo investimento no Brand Publishing, com foco na informação e na educação do público.
Veja o bate papo com Pollyana Ferrari:
Na sua opinião, qual é o grande impacto das fake news no mercado da comunicação em geral e no mundo acadêmico?
Comecei a pesquisar fake news em 2016, em uma pesquisa de pós-doutorado com o jornal El Pais, em Madrid, o jornal Público, em Lisboa, e o jornal O Globo, no Rio de Janeiro. E após a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, percebi que a investigação acadêmica, realizada na Universidade Beira Interior, em Portugal, ia muito além do Jornalismo.
“Digo que as fake news são o câncer do século atual”
Quando falamos de informação falsa, a notícia é apenas uma parte. Ela pode permear diferentes áreas, impactar a vida de pessoas comuns, destruir reputações de marcas e governos. A construção do fake (falso), seja em relação a vacinas, marcas de refrigerantes, produtos de higiene pessoal ou políticos causa um estrago sem precedentes.
Digo que as fake news são o câncer do século atual. Em 2014, Fabiane de Jesus foi linchada no Guarujá, litoral de São Paulo, por ser acusada de praticar magia negra com crianças. A informação era falsa, era um boato de internet.
Quando se dissemina uma inverdade, com o intuito de prejudicar alguém (ou uma marca), se perde a dimensão desse impacto. Depois que ele se espalha, você pode até tirar a informação do ar. Mas muitas vezes, os estragos são incontornáveis. A UNICEF afirmou recentemente que a desinformação é a grande epidemia deste século, referindo-se à volta da epidemia de sarampo no mundo em decorrência das fake news.
Como uma marca pode se prevenir contra as fake news? Se tornar publisher e ter seu veículo oficial de informação digital é uma boa estratégia?
As redes sociais encurtaram o caminho da comunicação entre a marca e o consumidor. Então, se tornar publisher é uma ótima estratégia. Pois a marca já cultiva um canal de diálogo direto com os consumidores. E ganha agilidade para se defender em um eventual problema envolvendo fake news.
Infelizmente, só isso não basta. É necessário monitorar a marca 24 horas por dia, sete dias por semana. Para diagnosticar rapidamente uma ameaça a seu respeito. E também investir em algoritmos de checagem, capazes de ajudar a marca nesta cruzada contra a desinformação.
Mas tudo isso será insuficiente se não houver educação e mudança de comportamento. Ou seja, é preciso ter educação midiática dentro das empresas. Com formação de consumidores conscientes e capazes de checar antes de compartilhar, seja uma informação corporativa ou pessoal.
Uma marca pode ser protagonista para mitigar as fake news, atuando como publisher de credibilidade e autoridade no seu segmento?
As marcas, cada vez mais, encontrarão fake news sobre elas. Todo mundo hoje é produtor de conteúdo. E é fácil produzir um vídeo ou foto falsos. Isso começará a respingar mais sobre as marcas. Se estiver muito antenada com os acontecimentos que ocorrerem diariamente, não apenas relacionados ao seu segmento específico, mas num radar maior, a marca vai conseguir agir rápido.
A checagem tornou-se fundamental em todos setores da sociedade civil.
Vou dar uma hipótese: a marca é do setor bancário, mas diagnosticou algumas fake news que surgiram no setor de mobilidade. Antes de chegar a arranhar sua reputação, ela faz essa curadoria preventiva e já desmente o boato. Mesmo que seja relacionado ao concorrente e o uso de bicicletas, por exemplo.
É importante ir tecendo uma credibilidade social, já que o perigo não está apenas na possibilidade de o consumidor divulgar informações errôneas. Está, também, na possibilidade de as próprias companhias divulgarem informações não confirmadas, dados errados e opiniões de porta-vozes que não sejam condizentes com fatos. A checagem tornou-se fundamental em todos setores da sociedade civil.
Quando uma marca é vítima de fake news, você diria que qualquer tipo de dano é reversível? E como agir rápido quando isso acontece?
Nem todos são reversíveis, infelizmente. É preciso ter ações preventivas como já mencionei aqui. Com algoritmos de checagem, monitoramento e treinamento em educação midiática. As marcas têm que estar preparadas para o tsunami das fake news. Tivemos notícias falsas falsas durante o desastre ambiental de Brumadinho (MG) este ano. Não se poupa nenhum segmento. Em 2017, por exemplo, o jornal Extra noticiou a existência de um golpe envolvendo a marca McDonald’s e a plataforma WhatsApp. Uma mensagem anunciava uma promoção no valor de R$ 70,00 para serem gastos como o cliente quisesse, bastando preencher um cadastro com dados pessoais a partir de um link disponibilizado. Segundo a reportagem, o McDonald’s teve a identidade visual da sua marca copiada, a fim de que a mensagem parecesse o mais real possível. Em 24 horas de circulação da mensagem falsa, mais de cem mil pessoas acreditaram e participaram da promoção.
Seu livro mais recente tem um pré-adolescente na capa. Que tipo de trabalho pode ser feito com esse público em relação às fake news?
Tenho trabalhado em escolas, com alunos do ensino fundamental do sétimo, oitavo e nono anos. Tanto nas particulares quanto nas públicas. E tem funcionado muito bem. As crianças são como professores dos pais e avós no quesito de apreender a checar e não compartilhar nada antes de se ter certeza. Principalmente quando falamos de informações recebidas pelos grupos de Whatsapp. Essa plataforma tem grande circulação de fake news, por ser uma “caixa-preta”, difícil de ser rastreada. As marcas podem contribuir com jogos, colocar itens de checagem em suas embalagens, entre outras coisas. Quanto mais a gente falar sobre os riscos das fake news, melhor.
Do ponto da educação midiática, como marcas, profissionais de comunicação e público em geral podem desenvolver uma visão crítica em relação às fake news?
Estamos em um momento muito difícil para todo mundo, de grande exposição midiática. Mas é preciso lembrar e ter o cuidado de que a checagem de fatos é apartidária, não tem linha religiosa, racial, de gênero, ou de faixa etária. Estamos falando de fatos e todo mundo é responsável.
O Facebook, por exemplo, não pode mais dizer que o conteúdo não é dele. Teve que criar mecanismos para barrar as fake news, se responsabilizar. E as marcas terão que fazer áreas de conteúdo sobre isso.
A Coca-Cola, por exemplo, desde 2017, criou um ambiente chamado “#éboato”, em que faz breves pontuações dos principais boatos sobre a marca, com base nas citações que recebe associadas a seu nome. Essas iniciativas educacionais devem crescer no mercado corporativo.
Sobre Pollyana Ferrari
Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela PUC-SP (1991), Pollyana Ferrari é pós-doutora em Comunicação pela Universidade Beira Interior (Portugal), doutora e mestre em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo (2007).
É professora titular do Programa de Estudos Pós-Graduados em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Líder do Grupo de Pesquisa CNPq Comunidata. Na PUC-SP é também professora dos cursos de graduação em Jornalismo e em Multimeios.
Pollyana também é autora dos livros “Comunicação digital na era da participação” (Editora Fi, 2016), “Jornalismo Digital” (Contexto, 2010), “Hipertexto Hipermídia” (Contexto, 2007), “A força da mídia social” (2ª ed., Estação das Letras, 2014), “No tempo das telas” ( Estação das Letras, 2014), “Comunicação na era da participação” (Editora Fi, 2016) e “Como sair das bolhas” (Educ, 2018). E atua como pesquisadora nas áreas de jornalismo de dados, narrativa transmídia, fact-checking e social media.