A adoção massiva dos ad blockers (bloqueadores de anúncios) em computadores e dispositivos móveis – de acordo com o 2020 PageFair Adblock Report, existem hoje 763 milhões de aparelhos com esse tipo de serviço ativo no mundo – coloca em xeque todo o ecossistema da publicidade digital, fazendo com que as empresas precisem desenvolver novas formas de alcançar e encantar os consumidores. E de acordo com o publicitário Marcos Erbisti, que em 2017 fez do assunto sua tese de MBA na Coppead UFRJ, o Brand Publishing pode ser o diferencial para uma estratégia de construção de marca e relacionamento de sucesso.

“Ainda pouco explorado, sobretudo no Brasil, o Brand Publishing proporciona a construção de relacionamento de forma não invasiva, relevante, duradoura, com total ownership e controle do canal, sem dependência no ecossistema da publicidade digital”, afirma Erbisti.

Impactos na publicidade digital e alternativas

Segundo o publicitário, o crescimento da adoção dos ad blockers trouxe impactos severos para o mercado. Colocando em risco as receitas publicitárias dos publishers, comprometendo um dos principais canais de comunicação das marcas com os consumidores e gerando reações dos diversos players do ecossistema de publicidade digital. 

“Entre essas reações estão, por exemplo, a formação de associações focadas na implementação de novos padrões para a publicidade digital (como o Coalition for Better Ads); o bloqueio dos usuários que utilizam ad blockers por parte de publishers tradicionais e o crescimento do investimento em influenciadores digitais e product placement, do branded content e do próprio Brand Publishing”, completa Erbisti. 

Origem da tese sobre bloqueadores de anúncios

Formado em Publicidade pela PUC-Rio, Marcos Erbisti tem especialização em Marketing pela FGV e extensão em Marketing Digital na New York University, além do MBA pela Coppead UFRJ. Tem mais de quinze anos de experiência profissional em marketing, mais da metade desse tempo em empresas de mídia. Trabalhou por seis anos no Grupo LANCE!, onde foi Coordenador de Marketing e Gerente de Comunicação e Publicidade. E por um ano no marketing da GolTV em Miami, nos Estados Unidos. Desde o início de 2018, é Coordenador de Marketing no Banco Mercedes-Benz.

A ideia para a tese de MBA sobre os bloqueadores de anúncios surgiu de uma reflexão que Erbisti fez sobre como o anticonsumo vem ganhando importância. Sua expressão, segundo o publicitário, é cada vez mais frequente e fica visível em comportamentos como o veganismo, que é o abandono de uma categoria de produtos, ou nos boicotes a marcas, que acontecem por diferentes razões. 

“A publicidade nos ‘ensina’ o que consumir. Apresenta e explica produtos, e nos seduz até nos conquistar. Foi por meio de construções publicitárias que, no século passado, as marcas conseguiram transformar necessidades em desejos, como no exemplo clássico de aula de marketing: se você tem sede e o que mata melhor a sede é a água, por que você quer aquela Coca-Cola gelada? Pensando nisso, me dei conta que, ao mesmo tempo em que há pessoas com comportamento anticonsumo, há outros que cortam o consumo em uma etapa anterior, rejeitando a publicidade em si. Ou seja, podendo comprometer todo o ecossistema de construção de marca e comunicação vigente”, afirma Erbisti, ao explicar como começou a desenvolver sua tese sobre os bloqueadores de anúncios.

Pesquisas e entrevistas

Nas entrevistas que fez com usuários de internet para sua tese de MBA, Marcos Erbisti identificou cinco benefícios práticos buscados pelos que adoptam os ad blockers: performance, experiência de uso, economia (tráfego de dados), privacidade e segurança. 

ad blocker

Diante disso, perguntamos a ele se a adoção dos ad blockers, na maioria das vezes, tem mais a ver com a vontade do usuário em ter uma experiência mais fluída de navegação na internet, sem interrupções por conta da publicidade. Ou se, mesmo assim, dá para fazer uma relação com comportamentos de resistência ao consumo ou de anticonsumo.

“Todos os entrevistados citaram o incômodo na usabilidade como uma motivação para adotarem o ad blocker. Mas poucos declaram esta como a única razão. Os entrevistados mesclam os problemas de usabilidade com discursos de insatisfação com a publicidade e com as relações de troca de internet”, conta o publicitário. 

Usabilidade em questão

Segundo Marcos Erbisti, os entrevistados sobre os bloqueadores de anúncios apresentaram alguns desejos mais objetivos em relação à usabilidade. Como, por exemplo:

  • Melhorias de performance, com carregamento mais rápido de páginas;
  • Experiência de uso, com citações a anúncios no meio do texto “interrompendo” o consumo do conteúdo;
  • Segurança, que tem a ver com o temor de ter dados captados por terceiros, que poderiam ser utilizados como alguma forma de ameaça;
  • Insatisfação prática com a publicidade, no que diz respeito à quantidade, frequência e formato dos anúncios.

Ideologia também entra em campo

E junto às reclamações sobre usabilidade, há uma frequente insatisfação ideológica com a publicidade, por conta da pressão por consumir e da manipulação.

“Em alguns casos, a discussão chegou à insatisfação com as relações de troca na internet. Para alguns parece um bom negócio receber conteúdo gratuito em troca de ver publicidade ou da entrega constante de seus dados, para que essa publicidade seja customizada. Já para outros, por julgarem que seus dados pessoais e a atenção despendida para ver os anúncios valem mais do que o conteúdo que recebem nessa troca, esse tipo de relação é injusta. Algumas pessoas chegam a considerar, inclusive, que deveriam ser remuneradas por estarem expostas ao conteúdo dos anunciantes”, diz Erbisti. 

Para o autor, a grande virtude de seu trabalho de pesquisa para a tese de MBA é abordar com profundidade essa diversidade e variedade de discursos de adoção dos bloqueadores de anúncios, dando uma visão única sobre o tema. Segundo ele, as pesquisas sobre o assunto são praticamente todas quantitativas e, pela natureza do método, não chegam a este tipo de detalhe. 

Os comportamentos das novas gerações

Nessa seara de resistência ao consumo ou de anticonsumo, perguntamos a Marcos Erbisti o quanto existe de carga ideológica e dos padrões geracionais (Millennials, Geração Z, etc.). E como ele acha que as marcas podem alcançar as pessoas que assumem esses padrões de comportamento.

comportamentos das novas geracoes

“Notamos que algumas características se acentuam nas gerações mais jovens: são cada vez mais digitais, mais conectadas, mais impacientes e mais exigentes. Há uma busca por marcas que façam mais que o esperado, que sejam responsáveis socialmente, que cuidem do meio ambiente, que tratem com dignidade seus colaboradores. É como se cada vez mais estivéssemos mais acima na pirâmide de Maslow. Enquanto os baby boomers, no pós Segunda Guerra Mundial estavam felizes com um emprego estável para a vida toda e um pouquinho de liberdade a mais do que seus pais, as novas gerações, por já partirem de um ponto mais acima na pirâmide, focam suas preocupações mais no topo, e isso se reflete no que esperam das marcas também”, teoriza Erbisti. 

Marcas avaliadas não apenas por seus produtos

O publicitário lembra que as marcas são, cada vez mais, avaliadas além de seu produto ou serviço. Elas são avaliadas por como produzem, como vendem, como anunciam e como se comunicam. E o papel social delas é cada vez mais relevante para os consumidores. 

Erbisti cita um estudo da Cone Communications de 2017, que aponta que 76% dos consumidores nos Estados Unidos deixariam de comprar os produtos ou serviços de uma empresa se descobrissem que ela apoiou algo contrário às suas crenças. 

“Essa mudança de comportamento gera uma série de novas ameaças, mas consequentemente uma série de novas oportunidades para as marcas se destacarem. Mais do que nunca, o estudo do comportamento do consumidor é fundamental para as empresas, para que possam entender como pensam seus clientes e prospects e, com esse conhecimento, desenvolver as estratégias de produto e comunicação mais adequadas”, afirma Erbisti. 

A importância do estudo do anticonsumo

Por fim, perguntamos como Erbisti pensa que as marcas podem chegar nas pessoas consideradas anti-consumistas ou resistentes ao consumo. Para ele, essa é a pergunta de um milhão de dólares. Ou melhor, de vários milhões. 

“O mercado já vem se movimentando em busca de diferentes soluções, mas na verdade não há uma resposta mágica que se aplique para todos os casos. Acredito que o primeiro passo é reconhecer a importância de estudar o anticonsumo, para entender como essas pessoas se relacionam com o consumo. O campo do comportamento do consumidor historicamente se concentrava na faceta positiva do consumo, investigando as preferências, a escolha, a compra. Sua contrapartida – o que leva um consumidor abandonar uma categoria de produto, por exemplo – costumava não ser o foco dos estudos na área. Apenas recentemente, pesquisadores começaram a investigar o que leva os indivíduos a se engajar em comportamentos de não consumo, de aversão a empresas e marcas”, diz o publicitário. 

Em conclusão, segundo Erbisti, o estudo do anticonsumo pode aumentar nosso conhecimento sobre o consumo em si. E deve transcender o meio acadêmico e ser adotado mais regularmente pelas marcas, que, dessa forma, poderão entender as causas desse comportamento, se adequando e reagindo com eficiência.