Recentemente em seu perfil no Twitter, onde é muito atuante, Marcos Motta recebeu uma pergunta de um usuário da rede social interessado em entrar no ramo do direito desportivo. Seu conselho foi: “não entre”. A resposta pode ser surpreendente para quem conhece o imenso currículo do advogado, um dos mais respeitados internacionalmente no ramo. Mas justifica-se. Pois para ele, o mundo ideal envolve esporte e entretenimento andando juntos. Dentro de um conceito que, inclusive, vem sendo muito difundido nos últimos anos: o Sportainment. E a geração de conteúdo é uma peça-chave dentro desse mecanismo.

Sobre o Sportainment

“O esporte deve ser considerado como parte do entretenimento das pessoas”, diz Marcos Motta

“Já não basta oferecer um jogo ou uma competição, o espectador atual demanda elementos complementares como sociabilidade, networking, comunidade, lazer e etc. Essas experiências orgânicas e temporárias podem conduzir a inúmeras opções de monetização por parte dos operadores. Mas se fazem necessárias inovações e adaptações às novas necessidades e preferências da demanda e das novas gerações. E é dessa visão holística e integrada da indústria que surge o Sportainment”, explica Motta, em entrevista ao Brand Publishing Brasil.

Renome internacional no Sportainment

Sócio-fundador da Bichara e Motta Advogados, Marcos Motta atua no mercado do esporte desde 1997, quando foi Diretor e Representante Internacional do Clube de Regatas do Flamengo, o advogado atua neste mercado há quase 25 anos.

Entre outros feitos, ele teve participação decisiva na aquisição, pelo Paris Saint-Germain, de seu cliente Neymar Jr. , em 2017, junto ao Barcelona. A transação alcançou as cifras de 222 milhões de euros e é, até hoje, a mais cara da história do futebol.

Brand Publishing

Apesar de o Direito ser o core de sua atuação, Motta abraça fervorosamente o marketing e a comunicação. E não apenas como meios geradores de awereness, mas também de negócios. De alguns anos para cá, o advogado conheceu e percebeu, também, a importância da prática do Brand Publishing dentro do Sportainment.

Em abril passado, em uma live com os sócios da Barões Digital Publishing, promovida pelo canal Hubstage, ele falou sobre como os conceitos de desintermediação de marcas mudaram os rumos de sua vida profissional e seus negócios.

“Quem não for digital e contemporâneo morre. Você não pode simplesmente ser refém de uma plataforma, como o Instagram ou Facebook. Quando você é um proprietário de conteúdo, você é um publisher e entende essa desintermediação da comunicação entre o detentor do conteúdo e o consumidor, isso muda tudo. É uma transformação que eu tive, que vocês da Barões me ensinaram, e que eu aplico na minha vida profissional e no meu escritório”, afirmou Marcos Motta, à época.

A Hubstage, por sinal, foi uma empresa criada por Motta e seu sócio Bichara Neto para ser parceira estratégica de seus clientes, auxiliando a identificar e explorar novos negócios em potencial no mercado do Sportainment.

Veja aqui a live com a Barões:

Canais próprios de conteúdo

De acordo com Motta, o potencial oriundo dos recentes desenvolvimentos e estratégias digitais torna obrigatório um olhar mais atento para a futura transformação do negócio do futebol, por exemplo. E abre novos debates sobre o produto que é produzido e negociado. Segundo o advogado, os clubes brasileiros precisam voltar suas atenções para esse assunto. E devem investir cada vez mais em suas redes proprietárias de conteúdo, buscando a desintermediação das mídias.

“O digital continuará a impulsionar a mudança em uma velocidade sem precedentes. Temos que identificar as oportunidades e estar preparados para os riscos associados a essas tendências. Nesse sentido, a grande vantagem das redes próprias dos clubes e das demais plataformas OTTs*, por exemplo, é justamente o fato de serem menos engessadas do que as emissoras de televisão. Esses canais podem oferecer o seu produto da forma que melhor atenda o interesse do torcedor. Isso desbloqueia possibilidades até então limitadas pelos canais tradicionais. E essa possibilidade de oferecer conteúdo personalizado e “on demand” parece ser uma tendência irreversível no mercado de audiovisual. Inclusive na área do esporte”, avalia o advogado.

* (Nota do editor: sigla para “Over the top”, que caracteriza as plataformas distribuidoras de conteúdo de TV pela internet)

Os concorrentes do esporte

Para Motta, com a ameaça cada vez maior das demais formas de entretenimento – como filmes, séries e videogames, que disputam a atenção e o bolso do consumidor com o esporte – é mais do que necessário que clubes, plataformas OTTs e demais players do mercado procurem se aproximar ainda mais do torcedor. Para que estabeleçam uma relação que não fique apenas dependente da paixão pelo clube.

“A era do ‘uma para muitos’ será substituída pela era do ‘muitas para um’. Isso aumenta o leque de produtos disponíveis, mas também a competição. Dessa forma, um projeto de Brand Publishing, como parte da estratégia de oferece ao torcedor conteúdo de qualidade, exclusivo e que atenda as suas expectativas pode ser uma excelente alternativa para reforçar essa relação. E capitalizar o engajamento e a fidelização natural entre clube e torcedor”, afirma Motta.

Medida Provisória 984/2020

Os recentes recordes alcançados pelas transmissões de partidas ao vivo em canais próprios dos clubes no Youtube, alavancados pela alteração legal trazida pela Medida Provisória 984/2020, também entraram no papo do Brand Publishig Brasil com Marcos Motta.

Segundo o advogado, o fenômeno reforça o poder da internet. E acende um sinal verde para a exploração comercial de mais uma forma de conteúdo em um futuro próximo.

“A monetização dessa forma de transmissão, no entanto, ainda é um desafio para os clubes. Nessas primeiras partidas, o que vimos foi uma grande mobilização dos torcedores para ajudar o clube, por meio da compra de ‘ingressos virtuais’. Ou mesmo através de doações por meio da própria plataforma do Youtube. No entanto, é difícil de acreditar que essa mobilização espontânea se sustentaria a longo prazo. Até por isso, o Flamengo optou por testar uma transmissão paga através da plataforma MyCujoo, que apresentou bons números iniciais e cujos gargalos devem servir de aprendizado para oportunidades futuras”, afirma o advogado.

A irreversível transformação digital

De acordo com Motta, recursar-se a abraçar as oportunidades que a transformação digital tem a oferecer “não é mais uma opção”. Tanto para o Sportainment quanto para qualquer mercado. Para o advogado, os clubes precisarão de uma nova estratégia de negócios para a era digital. Não apenas uma estratégia digital para incorporar em seu modelo existente. E, claro, os direitos de transmissão passam por esse processo.

“O caminho, portanto, passa pelos dirigentes entenderem o tamanho e a capacidade do seu clube para definir a estratégia a ser adotada, sobretudo caso a alteração legal trazida pela MP venha a se tornar definitiva. Não existe uma ‘fórmula mágica’ do sucesso. Para alguns clubes, a transmissão em seus canais próprios, de forma desintermediada, parece ser viável. Para outros, no entanto, talvez a melhor opção seja a formação de blocos e a cessão dos direitos de transmissão a terceiros. Será interessante ver como o mercado irá se portar, tanto a ponta vendedora quanto a ponta compradora”, prevê Motta.

Sobre os direitos de transmissão

Especificamente no assunto dos direitos de transmissão, inerentes ao Sportainment, perguntamos a Motta se ele acha que é possível encontrar um caminho híbrido, em que o clube tenha o seu próprio canal, gere a transmissão de seus jogos, mas ainda possa contar com o dinheiro da TV.

“Encontrar um caminho híbrido entre as plataformas de streaming e a televisão parece ser não apenas um caminho viável, como também o modelo mais desejável para o futuro, vide casos da Premier League e da Bundesliga. Atualmente, as emissoras de televisão são parceiras indispensáveis do futebol brasileiro, sendo as responsáveis por um valor considerável da receita de todos os clubes. Da mesma forma, apesar dos recentes recordes alcançados pelas transmissões via Youtube, os números de audiência da TV aberta ainda são consideravelmente maiores se comparados às transmissões via internet”, diz o advogado.

A força do streaming

Motta pondera que os contratos de transmissão no Brasil atualmente são negociados em três grandes categorias: TV aberta, TV fechada e Pay-Per-View. Segundo ele, não há regulação específica para a transmissão esportiva em canais de streaming no Brasil.

“Mas eles (os serviços de streaming) podem representar tanto quanto o Pay-Per-View, serviço que atualmente não paga um valor considerável aos clubes de menor torcida e, por conta disso, pode se enfraquecer com a entrada desses novos players no mercado ou mesmo como uma quarta via, transmitindo partidas de forma simultânea às televisões e atendendo uma parcela dos torcedores que prefere consumir conteúdo de forma digital”, avalia Motta.

Dessa forma, segundo o advogado, a consolidação da transmissão via streaming não significa e nem deve ser tratada, como o fim das transmissões via televisão no Brasil.

“Na realidade, cabe aos clubes, plataformas OTTs e emissoras de televisão entenderem esse novo cenário e negociarem contratos que possam atender os mais diversos interesses. O streaming sozinho não é solução, mas parte dela”, finaliza o advogado.