Um dos principais objetivos do Brand Publishing é fazer com que as marcas se comuniquem da forma mais assertiva possível com seu público-alvo. E isso se dá por meio de conteúdos relevantes e de qualidade. Em alguns casos, esse público-alvo pode ser extremamente específico. Mas, na maioria das vezes, é amplo em diversos aspectos, entre eles a diversidade de gêneros. Este deve ser um dos grandes pontos de atenção de profissionais que redigem e editam textos nas plataformas de conteúdos das marcas. Pois é cada vez mais importante que essas pessoas adotem a chamada linguagem neutra de gênero.

+ Leia também:
Google indica 7 artigos para as marcas abandonarem estereótipos

Mudança de mentalidade

Esse assunto foi levantado pela Paula Ribas, editora de conteúdo da ThoughtWorks Brasil, uma consultoria global de tecnologia e desenvolvimento de software, presente em outros 12 países. Em um artigo publicado recentemente, ela conta que em 2015 a empresa passou a usar “desenvolvedoras/es” ao anunciar vagas de emprego, com o objetivo de tentar deixar o texto mais inclusivo. Segundo a editora, o impacto foi tão rápido quanto positivo, com diversas manifestações especialmente de mulheres desenvolvedoras, “que se sentiram mais incluídas e representadas do que geralmente se sentem” quando se deparam com vagas para “desenvolvedor”.

Depois disso, uma discussão interna levou a empresa a dar um passo além, num questionamento sobre a melhor ou mais inclusiva forma de se referir a um grupo de pessoas, ou até mesmo a uma pessoa só, sem para isso precisar enquadrá-la em um gênero específico. A forma de anunciar as vagas mudou novamente. E a empresa passou a comunicar a busca por “pessoas desenvolvedoras de software”.

As manifestações positivas e o debate interno acabaram levando a ThoughtWorks Brasil a desenvolver um guia para uso da linguagem neutra, que foi o principal conteúdo do artigo escrito por Paula Ribas.

linguagem neutra de gênero

Sobre a linguagem neutra de gênero

Antes do guia, Paula discorre sobre o que é a linguagem neutra de gênero e o porquê da sua importância. Segundo ela, trata-se de “uma forma de comunicação que procura superar a binaridade entre feminino e masculino, usando para isso a neutralidade para se referir às pessoas. A linguagem binária de gênero — mesmo quando usamos a forma feminina e a masculina juntas — não é representativa para todas as pessoas, porque existem pessoas que não se identificam com os gêneros feminino e masculino”.

O artigo destaca o fato de que a língua portuguesa não oferece alternativas neutras, por exemplo, para quando usamos pronomes pessoais na terceira pessoa (eles ou elas). Nestes casos, quando nos referimos a um grupo de pessoas que incluem homens e mulheres, o gênero masculino é dominante em relação ao feminino. E a forma masculina (eles) prevalece, mesmo que no hipotético grupo exista apenas um homem e cem mulheres.

Mas o ponto que mais pega no caso de profissionais que trabalham com texto é o fato de que sempre desconhecemos o gênero da pessoa que vai ler. Até porque, uma peça de conteúdo, seja na internet ou mesmo numa publicação offline, pode ser lido por diversas pessoas diferentes. E é aí que caímos na armadilha de falar com o “leitor”, com locuções como “se você ficou interessado”, por exemplo.

Reforço de estereótipos

“Em geral, só usamos formas femininas para nos dirigirmos a públicos-alvo especificamente femininos, reforçando estereótipos de gênero”, destaca Paula Ribas.

E dentro desses estereótipos, ela faz um comparativo interessante sobre os resultados de duas buscas muito parecidas, porém com um pequeno detalhe diferente. Veja abaixo:

Busca: revista + “você está pronto”

Busca: revista + “você está pronta”

Feitos os esclarecimentos, a autora entra no guia propriamente dito. E não sem antes frisar que não existe manual definitivo a ser seguido para a adoção da linguagem neutra, ela dá exemplos de como buscar formas alternativas para formular frases que nos acostumamos a usar, quase sempre, no masculino.

Veja as dicas:

1. O uso de artigos e pronomes

A autora destaca que para substantivos usados da mesma forma no masculino e no feminino, o ideal é evitar o uso de artigos ou pronomes que determinem gênero.

Veja alguns exemplos:

  • Nossos clientes: trocar por “Clientes da empresa”
  • Os líderes da empresa: mudar para “Líderes da empresa (ou as lideranças da empresa)”
  • Os participantes do evento: a expressão pode ser substituída por “Participantes do evento (ou as pessoas participantes / que participaram do evento)”

2. Pessoas

No caso de substantivos que variam de acordo com o gênero, o guia da ThoughtWorks recomenda o uso de “pessoas”.

  • Desenvolvedores: podemos usar “Pessoas desenvolvedoras / que desenvolvem”
  • Funcionários: também podemos chamar de “Pessoas que trabalham na empresa”
  • Executivos: são “Pessoas executivas / em posições executivas”

3. Grupos sem predominância de gênero

Ao se referir a grupos de pessoas, Paula recomenda a busca por formas alternativas de representar o grupo.

  • Os diretores: que tal “A diretoria”?
  • Os coordenadores: pode ser “A coordenação”
  • Os deputados: facilmente substituível por “O Congresso / A Câmara”

4. Quem está lendo?

Na hora de se dirigir a quem está lendo o seu conteúdo, procure pensar em alternativas que não definam gênero.

  • Você está pronto?: pode ser “Você é uma pessoa pronta / preparada?”
  • Ficou interessado: dá para usar “Tem interesse? / Interessou-se?”
  • Mantenha-se atualizado: substituir por “Continue se atualizando”

Usar “x” ou “@”? Nem pensar!

Após as dicas, Paula Ribas falou sobre a nova moda de usar “x” ou “@” na grafia das palavras para não dar preferência a um gênero ou outro. E ela destaca que essas palavras se tornam impronunciáveis quando escritas dessa forma errada, o que limita seu uso à linguagem escrita e as torna não-acessíveis para pessoas com deficiência visual.

“Além disso, o fato de não terem impacto na linguagem oral não promove uma real transformação na forma de nos comunicarmos”, diz a autora do artigo.

linguagem neutra de gênero

Linguagem neutra não é sinônimo de texto estranho

No final, a autora propões uma reflexão, especialmente para profissionais que, ao adotarem a linguagem neutra de gênero, experimentarem algum estranhamento no próprio texto.

“Por sermos pessoas tão acostumadas a usar os padrões da linguagem binária predominantemente masculina, é comum que as alternativas apresentadas para o uso da linguagem neutra soem “estranhas”. Mas não é estranho também o fato de usarmos formas masculinas para nos referirmos a pessoas que não se identificam com o gênero masculino? O que é mais estranho? Talvez seja necessário repensar nossos padrões e mudar nossa forma de olhar para a língua e para a linguagem”, finaliza Paula Ribas.

“Talvez seja necessário repensar nossos padrões e mudar nossa forma de olhar para a língua e para a linguagem”.