“Estamos nos tornando comunicadores gestores”, disse Hamilton dos Santos, Diretor-Executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), na palestra de abertura do Aberje Trends 2023, realizado no dia 19 de junho, em São Paulo. A observação dele concatena visões de outros especialistas sobre a “nova economia da comunicação corporativa”, que envolve tecnologias, public affairs e papel cada vez mais estratégico no core business das companhias.

E a Aberje mediu essa importância. De acordo com uma pesquisa anual da entidade, 47% dos boards de companhias já contam com comunicadores entre os membros. Em 41% das organizações, inclusive, há vice-presidente ou diretor de comunicação. E mais: 45% dos líderes de comunicação reportam diretamente ao CEO.

Como resultado positivo desse quadro, o orçamento destinado à área cresce ano a ano. Em 2023, por exemplo, a expectativa é de que R$ 35,3 bilhões sejam destinados à comunicação corporativa, representando crescimento de 3% sobre os R$ 34,3 bi de 2022. Os números são importantes, segundo Hamilton, mas ainda aquém dos R$ 74 bi faturados no mercado publicitário brasileiro no ano passado.

A Aberje entrevistou 88 empresas associadas e depois as classificou em ranges de faturamento. O passo seguinte foi contabilizar as empresas brasileiras nos mesmos ranges de faturamento e então aplicar um fator de multiplicação para chegar ao total reportado.

Early adopters, mas multicomunicadores

Mais do que números, os dados da Aberje Trends revelam que, como gestores, os comunicadores precisam ampliar competências, inclusive para gerir tecnologias. Para Hamilton dos Santos, o setor está avançando nesse sentido, apesar de muitas vezes ser early adopter.

“Quem aqui já usa o ChatGPT?”, questionou o advogado, especialista em tecnologia e apresentador, Ronaldo Lemos. Quase a metade do auditório levantou a mão, mostrando que sim, os comunicadores são early adopter, mas estão, de fato, antenados tecnologicamente.

“Usamos inteligência artificial para, por exemplo, monitorar mídias. Com aplicações como essas, entendemos que a IA precisa ser levada em conta na estratégia da comunicação”, revelou Bianca Minguci, especialista em Inteligência de Mídia e gerente de Desenvolvimento de Negócios da LexisNexis.

Comunicação na base da tomada de decisões estratégicas

Para Karina Howlett Martin, coordenadora de Comunicação Corporativa da ENGIE, mais do que as adoções tecnológicas ou ações táticas, é importante ver como a comunicação se tornou fundamental para a tomada de decisões estratégicas, ao mesmo tempo que constrói a imagem da empresa e apoia no relacionamento com clientes e colaboradores.

Karina Howlett
Karina Howlett

“Os próximos passos relevantes desse setor incluem o desenvolvimento de estratégias de comunicação mais personalizadas e adaptadas às necessidades dos diferentes públicos da empresa, além do contínuo investimento em estratégias de comunicação nos diferentes meios digitais existentes”, disse Karina.

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Com 7 milhões de consultoras, a Natura demonstra bem essa necessidade de multicomunicação das companhias. Conforme observou João Paulo Ferreira, CEO da Natura&Co para a América Latina, as consultoras são as maiores comunicadoras da marca no mundo, impactando mais de 2 bilhões de outras pessoas com as suas informações diariamente. “Isto é muito mais do que qualquer investimento que possamos fazer em mídia”, avaliou.

Para ele, o caso demonstra a desintermediação da mídia e também o fato de que a comunicação do centro para as pontas já não é mais efetiva. “O desafio, agora, é conseguir a atenção e o engajamento das consultoras, ao mesmo tempo em que trabalhamos nas outras várias frentes de comunicação”.

Marcas: muito mais do que uma relação comercial

Ricardo Sapiro, proprietário da Touch, uma das principais agências de branding do país, refletiu ser “impressionante” como, até há pouco tempo, o entendimento comum era de que a relação das marcas era comercial. “E hoje vemos que não é. Pegando uma informação aqui do Aberje Trends, digo que as marcas se tornaram atores políticos. Não atores eleitorais, mas atores políticos mesmo, pois elas lidam com muitos interesses, muitas pautas”, disse.

Foto que ilustra matéria sobre o Aberje Trends 2023 mostra o executivo Ricardo Sapiro, proprietário da Touch, de braços cruzados com uma parede de tijolos brancos ao fundo.
Ricardo Sapiro, proprietário da Touch

Baseado no Edelman Trust Barometer 2023, ele resumiu que as marcas se tornaram instituições mais respeitadas do que as instituições oficiais, de governos ou mídias. “Portanto, se fazer escutar é fundamental para a marca. Afinal, não se faz política, no aspecto positivo do termo, sem falar e sem escutar”, disse Ricardo, observando que isto envolve públicos e formas múltiplas na comunicação.

O caso da Natura é “emblemático”, para ele, na medida em que a rede de revendedoras não está falando apenas de perfumes, fragrâncias, cremes de hidratação ou outros produtos da marca. “Elas tratam de relações, das mais diversas. Por isso, este entendimento das empresas e marcas, de que estão lidando com comunicação como atores políticos – e não mais como atores comerciais – é fundamental”, afirmou o proprietário da Touch.

Public affairs no Aberje Trends

Como tendência – e em muitos casos já aplicadas – portanto, as áreas de relações institucionais, antes distantes da comunicação, agora caminham juntas, ampliando o protagonismo da comunicação para as marcas. Nesse aspecto, o public affair – classificado pela Edelman como a “intersecção entre relações públicas e relações governamentais”, foi destaque no Aberje Trens.

“Volatilidade, mudanças e complexidades são alguns dos novos elos dos mercados. Por isso, desde 2020 juntamos, globalmente, as áreas de comunicação e relações institucionais”, disse Flávio Ofugi Rodrigues, vice-presidente de Relações Corporativas e Sustentabilidade da Shell Brasil.

Hoje, ele lidera uma equipe de 30 pessoas, dedicadas às subáreas tradicionais da comunicação, como mídia, comunicação interna e externa, mas também com dedicações às relações institucionais, incluindo o advocacy da corporação. “O nosso advocacy tem uma pauta alicerçada nos nossos negócios, devido ao fato de sermos uma empresa de energia com todas as complexidades que isto guarda. Mas também tem a sua relação política e institucional”, disse Rodrigues.

Para Simone Tcherniakovsky, diretora sênior de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade da Novo Nordisk, a sociedade, os governos e a iniciativa privada estão cada vez mais conectados. Por isso, ela defende o estabelecimento de parcerias para a articulação da indústria, no intuito de fomentar as pautas de interesse público.

Resumindo que a comunicação é central nessas relações, Ricardo Sennes, sócio da Prospectiva Public Affairs, avaliou que a qualidade de tratar com múltiplos agentes (multicomunicação) será cada vez mais necessária. “Inclusive nas relações governamentais, que mudaram, evoluíram. A sociedade civil também está mais organizada, com ONGs internacionais e bem estruturadas como representantes”, disse. “A burocracia, portanto, se aperfeiçoou”, finalizou ele, mostrando a necessidade de gestão de processos e operações para alcançar eficiência na comunicação de marcas e negócios