No final de janeiro, uma polêmica tomou conta da internet e sacudiu departamentos de marketing de empresas e agências de publicidade em geral: a tal “planilha dos influenciadores”. Um documento vazado que contém avaliações anônimas, tanto positivas quanto negativas, feitas por contratantes a respeito dos principais influenciadores brasileiros. As células do bombástico arquivo de Excel serviram não apenas para arrepiar as células do último fio de cabelo dos “famosos” que foram mais impiedosamente criticados por suas posturas amadoras e antiprofissionais. Mais do que isso, trouxeram à tona questões importantes sobre a relação entre marcas, agências e criadores de conteúdo, além de um alerta para quem aposta muitas fichas no tal “marketing de influência”. Será que vale a pena, mesmo?
Este artigo tem a intenção de colocar, não muito de leve, diga-se, o dedo nesta ferida. O intuito não é condenar 100% as ações de marketing com influenciadores – que podem, sim, ser efetivas quando feitas com cuidado, gestão e combinadas com outras estratégias -, mas propor um caminho mais seguro e, principalmente, sustentável para as marcas que andam gastando rios de dinheiro e arriscando suas reputações por aí sem necessidade ou sem muita noção do retorno obtido.
Don’t believe the hype!
Lá pelos idos de 1988, o grupo estadunidense Public Enemy bradou em uma música então recém-lançada: “Don’t believe the hype!” (Veja no vídeo abaixo). Na letra, Chuck D e Flavor Flav declamavam sobre as distorções da mídia nos Estados Unidos a respeito deles próprios e de figuras públicas em geral, especialmente pessoas negras.
Traçar um paralelo entre este hino do hip-hop com a polêmica “planilha dos influenciadores” é extremamente fácil, assim como lembrar de Guy Debord em seu livro “A Sociedade do Espetáculo”. Afinal de contas, tudo tem a ver com persuasão, seja para distorcer uma imagem ou para vender um estilo de vida ou um produto.
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Em pleno ano de 2025, quando vivemos uma crise global de confiança nas instituições, como aponta o recém-saído do forno Edelman Trust Barometer, a persuasão pura e simples definitivamente não é das opções mais inteligentes para uma marca se conectar com seus consumidores e com a sociedade em geral. Especialmente porque, também de acordo com o relatório da Edelman, elas próprias, as marcas, ainda gozam de algum nível de confiança, ao contrário de outras instituições como governos, mídia tradicional e até mesmo ONGs.
Pode-se dizer que as marcas se encontram hoje diante de uma bifurcação, sendo que ambos os caminhos que podem ser seguidos têm um mesmo destino no final: construção de sua reputação.
Acontece que um desses trajetos é um atalho repleto de obstáculos, animais perigosos como Tigrinhos, guias mal-intencionados, matagais espinhosos e até mesmo alguns abismos. E só dá para ir de carro alugado. Pode ser um pouco mais rápido, mas existe o risco de chegar com arranhões, sem fôlego para continuar ou até mesmo cair em um barranco e não alcançar o objetivo.
Já o outro percurso é mais longo, mas o sinal do GPS é sempre forte, tem curvas leves e está cheio de postos de combustíveis ao longo da viagem. Sendo que você ainda vai no seu próprio veículo Zero Km, acompanhado de copiloto, mecânicos e equipado com tecnologia de ponta.
O atalho tortuoso

O mercado de influenciadores digitais, assim como muitas áreas relacionadas à internet no Brasil e no mundo, ainda carece de muitas medidas de regulação. Alguns lugares já estão mais avançados. A França, por exemplo, se tornou em 2023 o primeiro país da União Europeia a aprovar uma lei específica para regular o trabalho desses profissionais, com uma lei que determina, por exemplo, que a divulgação de jogos de azar só podem ser realizadas em plataformas que limitam o acesso a menores de 18 anos e devem indicar que tais atividades são proibidas para menores de idade. Ou seja, por lá, o Tigrinho não tem vez, merci beaucoup!
Embora a “planilha dos influenciadores” tenha revelado críticas e elogios, ela também destacou a imaturidade desse mercado e a necessidade de profissionalização dos famosos ou candidatos a famosos.
Em um cenário onde a reputação digital é cada vez mais volátil e dependente da percepção pública, vincular toda a história e a imagem de uma marca a influenciadores significa se atrelar, também, à vida pessoal de pessoas que têm como trabalho justamente a venda de suas vidas pessoais.
Faustão costumava dizer antes de muitos convidados que recebia em seu programa: “Ô loco, bicho! O que falar dessa fera? Tanto no pessoal quanto no profissional!”. Mas sabemos que a realidade não é bem assim. Especialmente porque estamos falando de pessoas que ficam famosas simplesmente por mostrarem seu dia a dia – geralmente de forma roteirizada.
Por mais que uma marca se cerque de garantias por todos os lados, que exija não aparecer em um mesmo espaço onde são divulgadas postagens sobre jogos de azar, como garantir, por exemplo, que um influenciador contratado não tenha um caso de violência doméstica por baixo do panos prestes a explodir? Ou que em uma participação despretensiosa em um podcast não solte um comentário racista ou misógino?
Qual é a segurança para a marca? Será que vale a pena associar sua reputação a influenciadores apenas para pegar carona em alguns milhões de seguidores? E quem são esses seguidores? São reais ou são robôs? Diante de tantos questionamentos e de tantos casos de amadorismo, fica a reflexão.
E a intenção nem é falar de “investimentos” da marca por aqui, já que a planilha não abre tanto. Apesar de ter comentários sobre uma influenciadora que recebeu R$ 600 mil e foi considerada “insuportável”. Seria essa uma característica profissional buscada pelo RH de qualquer empresa?
Além disso, sequer se tem a intenção de abordar aqui o ROI desse tipo de ação, uma vez que a atuação dos influenciadores é para lá de dispersa e feita em plataformas de terceiros.
Por isso, que tal, agora, seguirmos por uma estrada mais segura?
A estrada pavimentada
Neste contexto de incertezas por parte dos influenciadores, comparável – e inclusive associado – ao turbulento universo das redes sociais, o Brand Publishing se apresenta como uma solução viável para as marcas que buscam construir uma comunicação sólida e direta, sem depender exclusivamente do ecossistema dos influenciadores.
Por se tratar de uma estratégia de comunicação que transforma as marcas em publishers, ou seja, donas de seus próprios canais de mídia, o Brand Publishing permite que as empresas se comuniquem diretamente com seu público, sem a necessidade de veículos intermediários, como a mídia tradicional ou, para seguir no assunto deste artigo, os influenciadores.
A disciplina, que tem como meio um robusto hub de conteúdo, envolve um grande planejamento prévio, tecnologia embarcada para a construção de uma plataforma digital, criação e distribuição de conteúdo informativo e relevante, controle e acompanhamento de suas métricas, coleta e gestão de dados, além de integração com outras ações de comunicação.
Em essência, é a criação de um ecossistema de conteúdo proprietário para as marcas construírem sua própria narrativa e estabelecerem uma relação mais autêntica e duradoura com seus consumidores, por se tornarem uma fonte de informações confiáveis.
Como proprietárias de seus próprios canais de comunicação, as marcas não apenas ganham um maior controle sobre suas mensagens dentro de um meio próprio. Elas também podem otimizar a coleta e análise de dados (first e zero pary data), visando entender melhor seu público e medir resultados de forma mais precisa. E garantem a conformidade com as regulamentações de privacidade – especialmente com a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil.
De olho no futuro
Com a crescente desconexão entre influenciadores e suas audiências, as marcas que exploram a publicação de conteúdo próprio, dentro de uma plataforma proprietária, podem não apenas evitar os riscos associados ao marketing de influência, mas também estabelecer uma presença digital mais confiável, informativa e autêntica.
Além disso, elas podem colaborar com criadores de conteúdo que compartilhem de seus valores e objetivos, criando histórias que enriquecem ambas as partes. Inclusive, muitos especialistas do mercado do marketing digital apontam como tendência o aumento do uso de micro e pequenos influenciadores e a construção de comunidades, características que podem muito bem ser integradas a uma estratégia de Brand Publishing.
Para concluir, voltamos ao Edelman Trust Barometer 2025, já citado por aqui, que aponta como as empresas são vistas como as únicas instituições verdadeiramente competentes e éticas. Essa posição, conforme destaca o estudo, vem acompanhada de grandes responsabilidades. Ir além do lucro e assumir um papel ativo na resolução de problemas sociais, além de mitigar a desinformação e a ação de oportunistas, tem sido o caminho mais seguro e sustentável para as grandes marcas. E muitas delas já se atentaram para isso.
Assumir esse papel transformador implica em planejamento, gestão e tecnologia. E tudo isso um bom projeto de Brand Publishing entrega. Até mesmo com a possibilidade de associação a influenciadores com um bom nível de compromisso e profissionalismo.
Importante dizer, no entanto, que o Brand Publishing não é para todas. Algumas marcas simplesmente nunca serão publishers, por não acreditarem na mudança de paradigma de que as pessoas não querem mais ser convencidas, mas informadas. Seguirão acreditando na persuasão e recorrendo aos influenciadores de sempre.
Portanto, apesar do estremecimento causado pela famigerada planilha, o mercado do marketing de influência tem tudo para continuar existindo, alimentado por marcas ruins que não querem informar, por terem medo do consumidor bem informado. Elas seguirão apostando na persuasão mais precária possível, que é a “oferta de valor” do influenciador amador.